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sexta-feira, 25 de junho de 2010

Idosa lidera cruzada contra água engarrafada nos EUA

 
Jean Hill, 82 anos, iniciou a campanha contra as garrafas de 
plástico na cidade de Concord, em Massachusetts Foto: The New York 
Times Jean Hill, 82 anos, iniciou a campanha contra as garrafas de plástico na cidade de Concord
Foto: The New York Times


Abby Goodnough
Do New York Times, em Concord, Massachusetts
        Henry David Thoreau foi preso em Concord 164 anos atrás por se recusar a pagar impostos, quando vivia em Walden Pond. Agora, a cidade precisa enfrentar um novo problema, causado por Jean Hill.

        Hill, octogenária que até recentemente era conhecida principalmente por suas geleias de mirtilo, propôs proibir a venda de água mineral engarrafada na cidade, em uma assembleia de moradores algumas semanas atrás.
        A proposta foi aprovada, com a intenção de fazer de Concord a primeira cidade dos Estados Unidos que removeria das prateleiras de suas lojas águas minerais como a Aquafina, Poland Spring e outras marcas.

Ao orquestrar a proibição, Hill, 82 anos, conseguiu alguma coisa que grupos ambientais poderosos nem mesmo haviam tentado. O setor de água mineral não gostou e ameaçou a cidade de processo caso a proibição entre em vigor em 1° de janeiro, como planejado. Mas Hill, que se descreveu como obcecada pela causa, afirmou que isso só a tornaria mais decidida.

         "Vou trabalhar até cair, quanto a isso", disse. "Se você acredita em algo, tem de persistir e tem de mostrar resistência"
  

        Tom Lauria, porta-voz da Associação Internacional da Água Engarrafada, uma organização setorial, questionou os motivos de Hill para atacar a água mineral quando tantos outros produtos são vendidos em embalagens plásticas. "Algumas pessoas do setor até que a respeitam por sua idade e visão", disse. "Mas acreditamos que essa visão seja distorcida. Existem produtos piores a combater do que a água engarrafada".
A cruzada de Hill começou alguns anos atrás, quando seu neto, então com 10 anos, contou a ela sobre o chamado "depósito de lixo do Pacífico", um vórtice de plástico e outros detritos que flutuam entre a Califórnia e o Havaí, aparentemente formando uma mancha duas vezes maior que o Texas.

        Ela pesquisou e concentrou suas atenções na água mineral, constatando que milhões de garrafas plásticas eram jogadas fora a cada dia e a maioria não era reciclada. Embora a maioria dos oponentes da água mineral procurem impor mudanças graduais, como por exemplo convencer agências do governo a deixar de comprá-la, Hill desejava que sua cidade, afluente e erudita, desse um passo a mais.

        "As engarrafadoras de água estão esvaziando os nossos aquíferos e vendendo a água a nós", diz, repetindo o discurso que usou na reunião de munícipes em abril. "Estamos destruindo o planeta, e tudo por cobiça".
        A apresentação de Hill convenceu cerca de 300 eleitores a apoiar a proibição. Mas dias mais tarde funcionários do município afirmaram que ela não poderia ser aplicada. Pediram orientação à Secretaria de Justiça do Estado, e devem receber orientação em breve.

         "É nossa responsabilidade realizar o que a assembleia de munícipes decide, mas estamos encontrando dificuldades para descobrir como", disse Christopher Whelan, o administrador municipal. "Ainda não sabemos o que acontecerá quando janeiro chegar".

        Lauria diz que a associação das engarrafadoras pode abrir um processo caso a Justiça do Estado aprove a proibição. "É uma mercadoria completamente legal e proibir sua venda viola normas de comércio interestadual", disse.

         Quanto a Hill, Whelan diz que ela é parte de uma longa tradição de moradores que parecem incorporar o espírito desafiador de Thoreau e outros ancestrais combativos.
"Ela é uma clássica moradora de Concord, porque quando tem uma ideia não consegue aceitar um não como resposta", disse. "É uma cidadã de vontade forte, muito dedicada ao meio ambiente e, de muitas maneiras, uma representante típica de nossa cidade".

          Hill diz ter desenvolvido o seu lado ativista quando adolescente, durante a Segunda Guerra Mundial, quando passou o verão em Nova York trabalhando em uma fábrica de paraquedas em Nova York. Ao descobrir que suas colegas operárias não tinham férias remuneradas, ela tentou provocar uma rebelião. "Fui a uma seção sindical local", conta. "Eu tinha só 16 anos, e eles logo me enxotaram".

         Depois disso, ela deixou de lado a agitação trabalhista mas passou a ler um livro por dia e aperfeiçoou sua capacidade de pesquisa trabalhando para a revista Life. Casou-se e criou quatro filhos em Concord, e só retomou o ativismo 15 anos atrás, quando lutou contra o plano de construir um centro de recepção a turistas em um prado histórico.

         A batalha atual de Hill é solitária, a despeito do apoio esmagador dos eleitores presentes à reunião de abril. Ela procurou a Corporate Accountability International, uma organização de defesa do consumidor em Boston, que preparou uma apresentação em PowerPoint para ajudá-la a argumentar seu caso. Mas a maior parte de seu trabalho - pesquisar online, distribuir panfletos na igreja - ela faz sozinha.

          Recentemente, Hill organizou uma exibição de "Tapped", documentário sobre os abusos das engarrafadoras de água. Um representante do gabinete do senador John Kerry compareceu - Hill disse que não voltaria a votar nele, de outra forma -, mas não muita gente mais apareceu, apesar de suas esperanças.
Há quem a critique, incluindo aqueles que a definem como aposentada com excesso de tempo ocioso.

         "Ah, eu sei bem", ela resmunga, "todo mundo falando sobre aquela velhinha de tênis que se intromete nos assuntos alheios. É irritante e não é verdade. Não estou me intrometendo. Estou tentando atingir uma meta legítima".

         Hill atribui a popularidade da água engarrafada à crença generalizada de que todo mundo precisa tomar oito copos de água ao dia.

          "As pessoas ficam pensando que precisam tomar água", ela diz, movendo a mão de modo desdenhoso. "Mas se todo mundo fizesse isso, passaríamos o dia inteiro no banheiro".

Ela não bebe água bastante, admitiu Hill; suco de laranja, leite e uísque têm destaque na sua lista de preferências. Para aqueles que bebericam água o dia inteiro, ela oferece conselhos caracteristicamente francos: "Compre uma boa garrafa térmica", disse. "Ou me peça uma: posso dá-las de presente".

         Hill fez questão de descobrir o número de bebedouros públicos da cidade, 11, e de divulgar sua localização em carta ao Concord Journal. Também procurou um comerciante local para sugerir que vendesse garrafas térmicas e não água engarrafada.

        "Não o impressionei com a proposta", disse. "As lojas não gostam da ideia".
O movimento que ela lidera sofreu um revés no mês passado quando um vazamento em uma adutora forçou os moradores de Boston a ferver água da torneia antes de bebê-la, por diversos dias. A alta procura de água mineral decorrente levou muita gente em Concord, que não sofreu problemas devido ao defeito, a reconsiderar a ideia de proibir a venda de água mineral.

          Mas Hill nem hesitou. "As pessoas ficam histéricas", diz. "Basta ferver a água por um minuto e tudo fica bem".

         Em momentos de crise - ou sempre que desejarem -, os moradores de Concord poderiam comprar água em outros locais, diz Hill. E a proibição não os impediria de estocar água engarrafada comprada em grandes lojas, uma lacuna que por enquanto não a perturba.

"Não estou pronta para encarar as Costco, ainda", disse. "Talvez depois de repousar um pouco"Is.
Tradução: Paulo Migliacci

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