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sábado, 3 de outubro de 2015

Investidores garimpam água, a próxima commodity quente



Monica Almeida/The New York Times 
Visão aérea de um campo que pertence a Cadiz Inc., no deserto de Mojave


DO "NEW YORK TIMES"
EM CADIZ, CALIFORNIA03/10/2015 02h00
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Contemplando da janela de um avião turboélice voando alto por sobre o principal ativo de sua companhia —13,6 mil hectares de terras no deserto do Mojave, com bilhões de galões de água fresca aprisionados por sob a areia e a vegetação rasteira—, Scott Slater descreve uma paisagem luxuriante, que vem atraindo investidores experientes há um quarto de século.

Sim, admite Slater, sua empresa, a Cadiz, não ganhou um centavo com a água. Ele admite abertamente que serão necessários pelo menos mais US$ 200 milhões para escavar poços, filtrar a água e transportá-la por 70 quilômetros de deserto em um novo aqueduto antes que o sedento sul da Califórnia possa beber a primeira gota. Mas obter dinheiro, em contraposição a encontrar água, nunca foi problema para a Cadiz.

"Creio que haja muito dinheiro por aí", diz Slater.

Lucros reais podem ser mais escassos que neve na High Sierra, mas Wall Street, como é seu hábito, fareja ganhos enquanto a Califórnia enfrenta sua pior seca em décadas.
Monica Almeida/The New York Times 
Scott S. Slater, presidente executivo da Cadiz Inc.


"Investir no setor de água é uma das grandes oportunidades das próximas décadas", disse Matthew Diserio, da Water Asset Management, empresa que é grande investidora na Cadiz. "A água é o recurso escasso que definirá o século 21, mais ou menos como o petróleo abundante definiu o século passado".

Até agora, porém, essa verdadeira corrida do ouro encontrou só ouro dos tolos. Nos 10 últimos anos, a Cadiz acumulou US$ 185 milhões em prejuízos, e a receita dos limoeiros e vinhedos que ela controla no Mojave mal representa uma garoa: US$ 7,1 milhões de 2005 para cá.

Para desenvolver o projeto, a empresa consome entre US$ 10 milhões e US$ 20 milhões anualmente, pagando por uma batalha interminável em tribunais e salas de conferência em toda a Califórnia a fim de obter licenças fundamentais do governo e cobrir os salários de seus 10 funcionários de tempo integral. A Cadiz gera esse dinheiro tomando empréstimos e realizando emissões regulares de novas ações, o que leva os céticos a imaginar que ela talvez nunca venha a encontrar água, quanto mais lucro.

"É um jogo duro", disse John Dickerson, presidente-executivo da Summit Global Management, uma companhia criada 20 anos atrás em San Diego que investe em empresas de infraestrutura de água, distribuidoras locais de água e em direitos sobre a água, tanto nos Estados Unidos quanto no exterior.

"A Cadiz promoveu esse sonho e por anos Wall Street vem bombeando capital baseado no otimismo quanto à água", ele acrescentou. "Mas agora a questão difícil para eles é onde está a água de verdade, e quando será possível bebê-la?"
Monica Almeida/The New York Times 
Trilhos de trem junto dos quais se planeja a construção de canos com água


Outros empreendimentos de água prometeram mais do que foram capazes de cumprir, pelo menos até agora. Há obstáculos em profusão, a começar por autoridades regulatórias céticas, clientes cautelosos e grupos ambientalistas implacavelmente opostos a esse tipo de projeto.

Alguns projetos estão por fim próximos de render frutos. Perto de San Diego, a Poseidon Water, uma empresa de capital fechado, está a ponto de colocar em ação uma usina de dessalinização que construiu, depois de 15 anos de luta contra processos de grupos ambientais e de espera por licenças conferidas por autoridades cautelosas. A seca, porém, não abrandou a oposição local à entrada de grupos de capital fechado como a Cadiz ou a Poseidon no mercado de água da Califórnia.

De fato, a despeito do medo de que Wall Street esteja lucrando com a seca, até agora o prejuízo ficou principalmente com os investidores na Poseidon. O primeiro retorno sobre o investimento que a empresa planeja oferecer só acontecerá no ano que vem, depois de anos de planejamento. Um projeto semelhante da Poseidon mais ao norte na costa, perto de Huntington Beach, continua atolado no processo de licenciamento.

"Foi necessária mais de uma década de batalha para que a Poseidon conseguisse licenciar seu projeto —uma experiência que não cria investidores felizes", disse Dickerson. "Isso bem pode desencorajar investidores em futuros projetos de dessalinização na Califórnia".

Mas para as pessoas com um horizonte de tempo longo, a água pode um dia se provar um bom investimento.

"A água é sempre considerada como algo automático, mas o acesso confiável a ela já não é garantido", disse Disque Deane Jr. veterano de Wall Street que comanda a Water Asset Management em companhia de Diserio. "Ela será uma categoria de ativos que constará de carteiras de investimento, em companhia de ações de companhias de saúde, de energia ou de imóveis".
Monica Almeida/The New York Times 
Trem passando pelos trilhos onde os canos de água devem ser construídos


A companhia deles agora administra mais de US$ 500 milhões em capital de planos de pensão, fundos nacionais de investimento de outros países e famílias ricas, e seu principal fundo em geral apresenta resultados superiores aos padrões do mercado mundial, desde que foi criado em 2006. Os ativos da Impax Asset Management, uma empresa de Londres cujo foco também é a água, dobraram para US$ 1,8 bilhão nos dois últimos anos.

Embora alguns projetos possam parecer mais audaciosos que outros, os especialistas envolvidos com o negócio insistem em que não há coisa alguma de errado em ganhar dinheiro vendendo água.

"É preciso dinheiro para processar, tratar e mover água, mas agora a água em si está se tornando cada vez mais valiosa no oeste", disse Steve Maxwell, veterano consultor do setor radicado em Boulder, Colorado.

"Não faz diferença que seja uma agência pública ou companhia privada que administre a água: os preços vão subir", ele disse. "Não é por incompetência dos administradores ou cobiça das empresas: é porque a água está acabando".

Muitos investidores estão em busca de maneiras menos arriscadas de ganhar dinheiro com a água. Em lugar de enfrentar batalhas dolorosas sobre os direitos de água ou desenvolver novas fontes de suprimento e enfrentar acusações de que estão lucrando com a seca, investidores como Simon Gottelier, da Impax, estão se concentrando em empresas que fornecem infraestrutura para empresas de água e usuários industriais, e não na água em si.

"Como investidores de longo prazo cujo foco é gerir um fundo que nos permita dormir à noite, somos reticentes quanto a companhias que lidam com direitos de água, porque essa questão pode se tornar muito emocional", disse Gottelier. "Não queremos fazer investimentos em empresas que se tornem alvo de ira dos agricultores ou gerem manchetes".

Para a Impax, isso significa que há apelo em ações como as da Xylem, fabricante de bombas, equipamento de filtragem e suprimentos para tratamento e teste de água. Outros investimentos da Impax incluem fabricantes de membranas de osmose reversa, como as que têm papel central na nova usina de dessalinização da Poseidon, visitada por Gottelier em junho. Ele considera a escassez de água na Califórnia como não só um propulsor de demanda para as empresas de sua carteira mas como incentivo para pessoas e instituições que desejem começar a investir em água mas não em projetos ambiciosos como o da Cadiz.

"Houve um crescimento dramático no apetite real e potencial dos investidores", disse Gottelier.

Boa parte do dinheiro que acorre ao caixa da Impax provém de investidores institucionais da Europa, onde sistemas de água operados com fins lucrativos têm um longo histórico, em contraste com os Estados Unidos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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